Não, não tem nada a ver com o filme Crocodilo Dundee. Paul Hogan, o ator principal, pode ser dundee, mas nunca um dandy. Ou como se diz na nossa última flor do Lácio: dândi. Mas whadafuck is a dandy? Vamos juntos para a Londres do começo do século XIX, onde um cara chamado George Bryan Brummell, o Beau Brummell, transformou a moda masculina e o senso estético da época e virou o dono da porra toda.

Seu estilo de rockstar mundano avant la lettre inspirou o dandismo, um movimento que cultua a beleza e a elegância em todas as suas formas, na moda e nos modos. Se vestir bem é um princípio, e levar horas e horas para fazer isso mas fingir que só tomou cinco minutos do seu tempo, algo como o primeiro mandamento. Mas o dandismo não é só sobre roupas finas e sinceras, ragazzi. É comportamental que chama?

O dândi tem gestos gentis, atitudes indiferentes e um eterno ar de despreocupação (a tal nonchalance, uauuu, certas palavras francesas são mais bonitas do que línguas inteiras). Posturado e calmo, sempre (gíria das quebradas que é… muito dândi).

Já foram chamados de Beaux, Leões e até mesmo Inacreditáveis, e no modo de caminhar e de olhar o mundo à sua volta, os dândis se confundem com o flâneur, o caminhante sem destino que flana pelas ruas vendo o que pouca gente vê: o belo nas coisas simples da vida.

Belo Brummell mudou o jeito como os homens se vestiam, homens que no fundo do fundo, ainda mais agora em tempos virtuais em que os amores já não são mais líquidos, são dissolvidos, estão sós e esperam, como no título emocionado do livro do grande argentino Scalabrini Ortiz. Bueno, Brummell foi tipo o primeiro personal stylist da história. Tirou a maquiagem e o pó de arroz do rosto da turma toda (noblesse oblige), usava calças mais justas, inventou o blazer, yeah, o blazer, virou o queridinho do rei George IV, arrumou confusão com o rei George IV, desvirou o queridinho do rei George IV. Um enfant terrible meio Bossa Nova meio rock’n’roll que entre suas proezas chegava a polir suas botas com champagne.

O dandismo foi parar na literatura em personagens de escritores que por sua vez também foram dândis, como Baudelaire e seu Le Spleen de Paris, Lord Byron e seu She Walks in Beauty e andou, anda, sempre andará por aí, porque os livros são as pernas dos escritores, walking on the wild side com Oscar Wilde, no seminal O Retrato de Dorian Gray, romance que me abriu novos céus quando eu era um adolescente que amava Nabokov, Cortázar e os versos do deus Morrissey, do The Smiths, e me vestia como era possível se (re)vestir (suspensórios, eu usava suspensórios, não me cancelem) no amazônico calor de Belém do Pará.

Todo dândi tem um não sei o quê de século XIX, o dândi está nos detalhes, um broche vintage na lapela do terno, um lenço pink pendurado no bolso da calça skinny ou um cinto que se torna um acontecimento. Por mais que, olha a nonchalance de novo, ele finja que não gosta de ser notado, o dândi é assim, nunca se admira, se deixa admirar.

Existem ainda dois dândis à la ancienne em São Paulo. O dândi-raiz que quando sai de casa se veste como se fosse andar às margens do Sena com Baudelaire. Um deles é Pedro Paulo de Sena Madureira, meu editor, amigo e uma espécie de pai literário (mentor ou coach não é nada dândi). Pedro é uma lenda no meio editorial, editou e foi amigo de Caio Fernando Abreu, Drummond de Andrade, Júlio Cortázar, Milan Kundera e de uma lista que chegaria até o Café de Flore, em Saint Germain des Prés. Pedro é minha Sorbonne particular, de gravata borboleta e piteira que ganhou da Marguerite Duras. O outro é o Dandy da Avenida Paulista, sempre de echarpe, costume e broches e anéis mil, que não vejo faz algum tempo mas tenho certeza que, mesmo neste calor apocalíptico em São Paulo, continua a se vestir heroicamente. O calor é um dos piores inimigos de um dândi, como as sandálias Crocs.

O dandismo tradicional deixou como herança os alfaiates de Saville Row, em Londres, há séculos uma referência do sob medida. De algumas décadas para cá, um novo dandismo renasceu na Pitti Uomo, a maior feira para o trade de moda masculina do mundo, e que se tornou também um Congresso de Dândis. Na frente da Fortezza da Basso e por toda Firenze, seja na Pitti de inverno no começo de janeiro ou na de verão em junho, esses gentlemen e algumas mulheres (o dandismo nasceu masculino mas deve, precisa, tem que ser reinventado para todas as orientações sexuais e de gênero) flutuam tendências, excentricidades e elegância pelas ruas que um dia foram pisadas por Michelangelo, Botticelli e Da Vinci, naquele outro Renascimento.

A história de Beau Brummell não acabou bem, mas para saber o final vocês dão um Google. Fiquemos com o belo. Belo Brummell virou estátua no número 53 da Jermyn Street, em Londres, e um lugar de peregrinação para todo o charme do mundo. Vale ir até lá pelo menos uma vez na vida.

Meus muitos mercis ao Pedro Nogueira por me convidar para escrever esta coluna sobre moda masculina e, por que não dizer, sobre a vida, com toda sua beleza, amores e dores. A elegância, ragazzi, pode ser isso, uma maneira de caminhar pela vida. Espero retribuir à altura. Vive la fête.


Texto por HECTOR BISI originalmente publicado na edição #037 do MM JOURNAL. Baixe-a gratuitamente abaixo.